Mau Futuro!

Não faz muito tempo, algo como 8 anos (2003), estava eu em um daqueles vôos fantásticos para Wichita - KS...
Um daqueles vôos que nascem em São Paulo e rodam os EUA inteiro em escalas e trocas de aeronave, até chegar ao destino.
Estava já na penúltima etapa, Chicago - Denver, quando sentei-me ao lado de um tripulante americano da Delta Airlines.
Começamos a conversar sobre as coisas da aviação de nossos países e em minha santíssima ignorância de então, falamos sobre períodos de jornada de trabalho, e o cansaço que tais jornadas produzem.
Para minha surpresa, o jovem aviador me falou, com um tom de quase orgulho, sobre as peripércias que havia feito para estar naquele vôo, com conexão em Denver para Seatle, onde iria assumir um vôo retornando à costa leste, Nova Iorque ou algo assim, e que naquele dia, entre trabalho na cabine e vôo como tripulante extra, alcançaria a marca de espantosas 17 horas de jornada!
Considerando que o dia tem 24...
Internamente cai na gargalhada, (discreto), e pensei com meus botões:
Isso jamais acontecerá no Brasil.
A este evento, deram nos EUA, o nome de "derregulation" ou em bom português, desregulamentação.
Entre outras medidas, foram admitidos novos limites de jornadas, vôo e pousos, fazendo da aviação americana a primeira do mundo organizado (primeiro mundo...) a submeter seus tripulantes técnicos e de cabine a períodos de trabalho dignos da escravatura.
Mais uma vez pensei: "Nunca permitiremos que tal absurdo ocorra em terras tupiniquins".
Menos de dez anos depois (2011), fui hoje surpreendido com a notícia de que empresas Brasileiras, não vou citar nomes, estão pleiteando junto a Câmara dos Deputados, mudanças na lei do aeronauta que permitam que estes voem até 100 horas por mês no lugar das já consagradas e estafantes 85 horas.
Estamos falando do rudimento primordial do que será um dia a desregulamentação do meio aeronáutico Brasileiro.
Este artigo tem por objetivo, antes de mais nada, alertar aos nossos jovens, nossos profissionais atuantes e acima de tudo, as nossas gerações futuras, sobre o tamanho do dissabor que estes empresários, maus empresários e maus patrões, tramam para seus futuros.
Eu já trabalhei em empresas onde se voava 100 horas por mês.
Naquele tempo, não havia fiscalização de espécie alguma, não havia representatividade, não havia cumprimento à legislação que já existia, sim, legislação já antiga, mas que jamais havia encontrado eco nos corredores do poder e da justiça.
E eu posso garantir a vocês:
É uma das experiências que você jamais vai esquecer!!!
Recentemente, passamos a contar com fiscalização pesada, e de fato, onerosa aos grandes contratantes e empresários da aviação.
Desta feita, estes senhores, sem meios de mudar os ritos de fiscalização por estarem sob o olhar atento da sociedade, pleiteando a mudança nos parâmetros regulamentares, permanecerão dentro da lei, ao passo que nesta vitória, cancelam os efeitos da lei áurea.
Sim... Sim... Sim...
Passaremos a ser escravos, vivendo, comendo, morando, estudando, casando, tendo filhos, nas asas da aviação brasileira.
Eles vão conseguir sem esforço e sem resistência, sem nenhuma objeção de quem quer que seja. E por que?
Porque não somos uma classe, somos um bando, estamos à beira de um colapso e não estamos fazendo nada.
O que acontece hoje, custará o sofrimento e a penalização das gerações futuras.
Um dia, todos vão perceber que as empresas não são nada sem os tripulantes.
Sem ter quem empurre as manetes pra frente, o resto não funciona.
Não há trabalho, não há dinheiro, não há lucro, não há nada!!!
Meus colegas Comandantes:
Espero em DEUS que voces não morram de cansaço, estafa, tristeza e solidão, (sim, sua mulher não vai aguentar isto!) antes de compreender que pedir o boné e mandar estes senhores plantar batatas, é a única saída honrosa para isso que estão fazendo com nossa categoria, ou, simplesmente sentar e voar 100 ou 120 ou 150 horas por mês.
A Aviação se tornou um balcão de maus negócios, de maus patrões , de maus empresários e algumas vezes de maus colegas...
Resultado: Uma profissão de mau futuro!
Pense a respeito!

Comentários

  1. Cmte Oro,
    Concordo com você, a aviação comercial depois que ficou nas mãos de ex motoristas de ônibus e ex motoristas de caminhão não poderia ter um final Feliz.
    Agradeço a Deus por ter um emprego na aviação executiva, não tenho chefe e uso o bom senso para as minhas jornadas e folgas. Não temos como negocio a aviação, usamos a aeronave para trasnportar a Presidência e a Diretoria da empresa dele, essa é a diferença entre a visão do empresário que quer ganhar dinheiro com a aviação para o empresário que usa a aviação particular para uso empresarial.
    O meu Patrão me respeita e aceita todas as minhas ponderações.
    Tenho pena dos colegas que estão na aviação comercial, a cada reajuste, a cada virada de ano passam a ganhar menos e a trabalhar mais.
    Se eles soubessem que estão com a faca e o queijo para reverberem essa situação a vida deles estariam bem melhor.
    Gostei muito do seu artigo e espero que você não venha precisar da aviação comercial para nada, nem mesmo na condição de passageiro.
    Um grande abraço.
    Cmte Sergio Esteves.

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  2. Prezado Cmte Oro e Cmte Sergio, boa noite
    Primeiramente meus parabéns pela iniciativa do blog, como futuro tripulante respeito e prezo muito as experiências vividas pelos meus futuros companheiros de tripulação, e acredito que através do seu blog poderei ter um contato maior com o meio que afinal será meu futuro ambiente de trabalho.
    Não há como não concordar com o post do Sr. Como futuro tripulante as vezes me pego pensando em como será meu futuro, primeiramente penso será que vou conseguir de fato realizar meu sonho e virar piloto? E se conseguir, como será minha vida? Compreendo que quando se é jovem a idéia de voar e conhecer milhares de lugares diferentes é ofuscante... Em troca você muitas vezes abre mão da sua família, e ate mesmo de futuros relacionamentos. E em vista desse fato que o senhor muito bem comentou, a vida dos tripulantes será ainda mais conturbada. As vezes me pego imaginando, o que será da nossa profissão no futuro?
    Eu diria que será no mínimo desmotivante, tanto para quem já esta no meio como para os que entrarão, e encaro essa proposta dentro de varias outros fatos como situações extremamente negativas para a aviação no Brasil, que vem para diminuir ainda mais a vontade e a auto-estima de quem trabalha com tanta paixão pelo que faz.

    Forte abraço,
    Pedro Neves.

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