A Copa das Copas

Prezados Amigos,

Após criteriosa análise técnica das publicações regulatórias em Aviação Civil, no âmbito da ANAC, COMAER, DECEA e SAC/PR, NADA, repito, nada de novo foi encontrado em termos de legislação, salvo pequenos ajustes que abordaremos ao longo do texto.
Os regulamentos, em sua maioria reeditados, já existiam e já contemplavam os mesmos pontos, restrições e proibições e sempre foram de maneira quase que automática, cumpridos por todos os segmentos envolvidos nas operações aéreas diárias no território nacional, sem qualquer questionamento, demonstrando que de fato, a maioria sequer conhecia o regulamento que rege relações de natureza profissional e institucional.
Do ponto de vista legal e regulamentar, não há qualquer base em ponderações ou reclamações direcionadas a qualquer deles que mereça destaque ou verificação mais profunda.
Do ponto de vista de infraestrutura e correção nas medidas podemos tecer algumas considerações, que chamaram atenção mais pela forma implementada do que pelo conteúdo ou características.

Das Multas:
O Órgão legislador majorou amplamente o valor das multas sem observar  ou considerar de fato, a quem elas serão aplicadas e se são factíveis.
Valores que variam dos 7 aos 90 mil reais, e que antes variavam de 2 à 8 mil e as bases dos reajustes não ficou claro para a sociedade.
A medida passa a ter uma característica que remete a um interesse muito mais arrecadatório do que disciplinador de atitudes, uma vez que estas, de fato, não sofrerão alterações, pois fazem parte do comportamento profissional e empresarial consagradas e repetidas à exaustão no dia à dia das operações aéreas, evidenciando assim que somente a forma de punir mudou! Tornou-se mais inflexível e cara!
Temos problemas de infraestrutura em aeroportos, controle dos espaços aéreos, capacidades operacionais de volume etc, que em alguns casos inviabilizam o cumprimento de determinados parâmetros, por força das próprias medidas tomadas pelos gestores e as punições acabarão recaindo sobre a ponta da cadeia, o que não me parece o mais coerente.
A autoridade preocupa-se, por exemplo, em tentar impedir atrasos nos voos, coagindo os operadores “latu senso a utilizar os slots alocados e respeitar seus horários, enquanto os gestores de hotrans das empresas, realizam diariamente práticas de transferências e realocação de voos e passageiros em uma corrida desenfreada na busca de fechar uma malha o que muitas vezes é atividade inglória.
É comum haver dois voos em horários próximos com meia lotação, onde um deles é cancelado e ou outro, geralmente posterior, fecha lotado e atrasado.
Os passageiros que esperem, por vezes mais de uma hora, enquanto a aeronave que foi liberada pelo cancelamento, serve a outra linha, em geral também em atraso!
As liberalidades de uso e horários para as empresas de aviação regular chegam à 240 minutos, para gerar um cancelamento e uma penalidade, ao passo que, para a aviação Executiva e Táxi Aéreo, os atrasos tolerados giram em torno dos 15 minutos.
Neste contexto, é importante lembrar que, um estudo de 2008, demostra que 64% do produto interno bruto do País, se locomove em aeronaves próprias, os chamados aviões executivos.
O grosso da produtividade brasileira, onde os grandes contratos e movimentações financeiras ocorrem, os “escritórios aéreos” que transportam os gestores que realmente fazem o País andar, têm diante do órgão gestor a liberdade e o direito de atrasar 15 minutos, o que me parece desproporcional.
Cabe ressaltar, ainda neste argumento que, quando temos muita pressa de chegar a algum lugar usamos nossos veículos particulares, quando temos menos pressa e um investimento menor, usamos o táxi e se não temos poder de investimento e podemos prescindir do tempo, usamos o transporte coletivo.
Me parece razoável que o pensamento seja perfeitamente aplicável à Aviação, e que a importância dada a cada segmento do modal seja proporcional à sua real capacidade de mover e administrar os recursos do país.

Dos SLOTS:
Os aeródromos chamados Coordenados, utilizam o sistema de alocação de slots, com vistas à organização e gestão dos deslocamentos de aeronaves no espaço aéreo Brasileiro.
Do ponto de vista técnico e administrativo, a medida é legal, normal, aceita como prática comum em vários aeroportos do mundo inteiro, bem como outros espaços aéreos, como o europeu por exemplo, que tem slots para outras fases do voo, como slots de aerovias por exemplo.
Este mesmo procedimento foi amplamente utilizado nas copas da França em 1998, na Alemanha em 2006 e na África do Sul em 2010.
No entanto, de forma diferenciada, de acordo com o segmento de aviação ao qual a aeronave pertencia.
Neste processo, há uma diferença importante em relação à nossa realidade.
O nosso país é um dos únicos no mundo, senão o único, a adotar a prática da restrição de movimentação por conta dos slots, para aeronaves executivas em todos os momentos e circunstâncias operacionais diárias.
As aeronaves particulares, que atendem aos grupos empresariais ou gestores de grandes corporações, precisam se movimentar com liberdade e sem restrições de horários dadas as características e necessidades específicas do segmento, incluídas ai as aeronaves engajadas no segmento de táxi aéreo, que em última análise, realizam operação similar.
Esta prática que adotamos não é cabível, considerando que, quando se adquire uma aeronave para este uso, ou freta-se uma aeronave para este fim, paga-se o preço!
Impostos necessários mas caros, tarifas aeroportuárias, as mais caras do mundo, e a restrição de movimento sem justificativa legal, fato que contraria princípios pétreos da Constituição Brasileira, o direito de ir e vir, que é amplamente desrespeitado em nossa Aviação por força de deficiências de natureza infraestrutural, sobre as quais não temos controle, ingerência ou participação.
Os profissionais da área nunca foram consultados sobre as medidas a serem implementadas nos diversos segmentos operacionais de diversos setores significativos da gestão aeronáutica, mas que refletem diretamente na velocidade e precisão destas operações.
Exigir que os participantes na ponta do processo assumam a responsabilidade por um conjunto de eventos que fazem parte do todo e do resultado,  me parece também desproporcional.
A quem devemos imputar culpas ou responsabilidades pela falta de espaço nos aeroportos, pela falta de pátios compatíveis com o volume de movimentos e o descompromisso do ente público com o crescimento anunciado amplamente por anos a fio, que davam conta de desenvolvimentos da ordem de 7 à 10% ao ano?
A quem devemos imputar pela falta de investimentos em segmentos importantes como equipamentos de navegação, controle de tráfego aéreo, controle de pátio, aumento e construção de novas pistas e aeroportos?
A quem devemos multar pela ausência de políticas que estabeleçam critérios técnicos que possibilitem e incrementem a formação profissional no setor, de tripulantes, controladores, gestores de manutenção, logística e cargas?
Fica a sempre forte impressão, de que o órgão responsável não pode ser coagido, obrigado, verificado, e multado por suas faltas, mas pode impor aos profissionais e empresas do setor, multas e punições sem consulta pública prévia e de forma unilateral.
Não desejamos chorar sobre o leite derramado, nem punir ou prejudicar necessidades sociais legítimas por força de algo que não tem volta.
Precisamos pensar de forma construtiva e com os olhos voltados ao futuro!
Estamos atrasados 20 anos em termos de infraestrutura geral, em todos os segmentos da Aviação Civil, não nos cabe imputar culpas ou condenações, nos cabe sim, continuar trabalhando, rigorosamente dentro do que preconizam as legislações em vigor, para dar nosso melhor auxílio aos órgãos de gestão e controle deste grande evento.
Entendemos claramente a função insubstituível e indiscutível dos gestores da coisa pública.
Apoiamos as medidas que em sua maioria são benéficas no sentido de disciplinar e objetivar o bom andamento das operações aéreas considerando as carências do setor.
No entanto, o grande evento COPA do MUNDO acaba em 40 dias, e as carências, distorções e imperfeições do sistema permanecerão.
Desejamos contribuir e participar de um novo momento no Sistema de Gestão da Aviação Civil Brasileira onde possamos contemplar uma mudança nos princípios administrativos que vem ao longo dos anos regendo o setor.
Esta mudança deve vir no encalço das deficiências e carências do setor, num amplo entendimento nacional dos diversos setores que compõe a Aviação Civil Brasileira com vistas a busca de soluções e rumos que reconduzam o setor ao caminho do crescimento estruturado e do progresso.

Reflexão:
Mais uma vez, a impressão que temos hoje é que, os senhores legisladores, do alto de suas salas acarpetadas, entre conversas animadas e um café e outro, ignoram completamente a realidade cotidiana dos profissionais de aviação civil.
DO's tumultuados, escalas apertadas, rotinas operacionais complexas e formações pesadas permeiam a realidade diária destes profissionais.
Existem soluções mais equilibradas e conseqüentes do que multas e punições que os submetam a mais pressão, tornando um ambiente já estressante em algo ameaçador e negativo.
As distorções que poderão ser criadas pelas novas exigências, mas principalmente, pela forma como estas punições serão colocadas em prática, em nada ajudarão a estabilidade e tranqüilidade do mercado e dos ambientes profissionais nas empresas, nos corredores, nos DO's e nas cabines de comando.

Curitiba, 03 de junho de 2014.


Cmte Nelson Oro.

Comentários

  1. Prazado Comandante.

    Num período sem nenhum evento como esse que teremos agora, se faz necessário Slot à aviação executiva num aeroporto como Curitiba.
    Penso que poderia ser mais enfático nessa questão, caso esteja de acordo.

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  2. Prezado Comandante,

    Primeiramente, gostaria de parabenizá-lo por conseguir expressar nesse texto de forma clara o objetiva sobre o que ocorre no Brasil.
    Temos a impressão que Órgão Legislador não está nenhum pouco preocupado com as consequências que isso trará, pois multar é fácil, agora realmente se atentar e solucionar problemas que exigem rapidez para aumento com segurança e qualidade no setor da aviação, ainda é um mundo obscuro e a parte, que infelizmente, mesmo tendo condições suficientes para isso, não é nada realizado e ficamos à mercê de pessoas que não se importam com isso mesmo elas também utilizando desse mesmo serviço, a aviação.
    A Copa já está ai, e com isso vemos as deficiências que nos atingem. Apenas tapumes que foram e estão sendo colocados para mascarar e fingir que somos preparados para o de “der e vier”, e após esse evento talvez nada mude e continuaremos com os mesmos problemas, ou até maiores.
    A aviação é só mais um setor que fica obrigado a cumprir as exigências de um Órgão que pouco se preocupa com melhorias.

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  3. Cmt Felipe Siaudzionis25 de junho de 2014 às 16:18

    Caro Nelson,

    Visão bastante realista, bem fundamentada e centrada dos problemas que assolam a aviação, em especial, o segmento executivo.
    Parabéns pela forma com a expôs.

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